quinta-feira, 29 de agosto de 2013

CLARICE LISPECTOR - A PAIXÃO SEGNDO GH

CLARICE LISPECTOR E EU...
"Para sabe-lo novo, precisaria agora re-morrer. E saber será talvez o assassinato de minha alma humana. E não quero, não quero."
"Estou tão assustada  que só poderei aceitar  que me perdi se imaginar que alguém me está dando a mão". P. 15.

"Estou adiando. Sei que tudo o que estou falando só para adiar - adiar o momento em que terei que começar a dizer, sabendo que nada mais me resta a dizer. Estou adiando o meu silêncio. A vida toda adiei o silencio? mas agora, por desprezo pela palavra, talvez enfim eu possa começar a falar".(21)

"Como te falar do inexpressivo? Até mesmo na tragédia, pois a verdadeira tragédia está na inexorábilidade do seu inexpressivo, que é sua identidade nua. Às vezes -às vezes nós mesmos manifestamos o inexpressivo - em arte se faz isso, em amor de corpo também - manifestar o inexpressivo é criar. No fundo somos tão, tão felizes! pois nao há uma forma unica de entrar em contato com a vida, inclusive as forma negativas!inclusive as dolorosas, inclusive as quase impossíveis - e tudo isso, tudo isso antes de morrer, tudo isso mesmo enquanto estamos acordados! [...] é como olho esculpido de estátua que é vazio e nao tem expressão, pois quando a arte é boa é porque tocou no inexpressivo, a pios arte é a expresssiva, aquela que transgride o pedaço de ferro e o pedaço de vidro, e o sorriso, e o grito" (170 a 172).


UM POUCO MAIS DE CLARICE LISPECTOR:
----estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi -  na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro.
Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não  saberei onde engastar meu novo modo de ser - se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.
Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.
Estou desorganizada porque perdi o que não  precisava? Nesta minha nova covardia - a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la - na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, no sei se terei coragem de simplesmente ir. É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira que vivo. Até agora achar-me era já ter uma ideia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver. A ideia que eu fazia de pessoa vinha de minha terceira perna, daquela que me plantava no chão. Mas, e agora? estarei mais livre?
Não. Sei que ainda estou sentindo livremente, que de novo penso porque tenho por objetivo achar - e que por segurança chamarei de achar o momento em que encontrar um meio de saída. Por que não  tenho coragem apenas de achar um meio de entrada? Oh, sei que entrei, sim. Mas assustei-me porque não  sei para onde dá essa entrada. E nunca anteis eu me havia deixado levar, a menos que soubesse para o quê.
Ontem , no entanto, perdi durante horas e horas a minha montagem humana. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar pedida. Mas tenho medo de viver o que não  entendo - quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não  sei me entregar a desorientação. Como é que se explica que meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja o de ir vivendo o que for sendo? como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra - como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?
E uma desilusão. Mas desilusão de que? se, sem ao menos sentir, eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída? Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a uma sistema.
LISPECTOR E DEUS:

"Aumentar infinitamente o pedido que nasce da carência (179-183, fala da necessidade de Deus).
Embora eu não goste da palavra usar quando se fala da relação com Deus, Clarice escreve com muita sabedoria: "Ele [Deus] nos usa, e não impede que a gente faça uso Dele. O minério que está na terra não é responsável por não ser usado.
Nós somos muito atrasados, e não temos ideia de como aproveitar Deus numa intertroca - como se ainda não tivessemos descoberto que o leite se bebe. Daí a alguns séculos ou daí a alguns minutos talvez digamos espantados: e dizer que Deu sempre esteve!quem esteve pouco fui eu - assim como diríamos do petróleo de que a gente finalmente precisou a ponto de saber tira-lo da terra, assim como um dia lamentaremos os que morreram de cancer sem usar o remédio que está. Certamente ainda nao precisamos não morrer de câncer" p. 180.
 "Mas, já que somos pouco e portanto só precisamos de pouco, por que então não nos basta pouco? É que adivinhamos o prazer. Como cegos que tateiam, nós pressentimos o intenso prazer de viver".
"A revelação do amor é ma revelação de carência - bem-aventurados os pobres porque deles é o dilacerante reino da vida" p. 182-183.
As páginas finais, nada escrevi, mas transcreveria por completo, ela escreve sobre Falta apenas o golpe da graça - que se chama paixão (p.206-217).
(A paixão segundo GH - Clarice Lispector)

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