sábado, 30 de março de 2024

PÁSCOA 2024 - PUCPR "Fazei novas todas as coisas".

Fui convidada para comentar a composição AVE MARIA de Vladimir Vavilov antes da apresentação da mesma pelo coro e orquestra da PUCPR:

"Para que experimentemos a composiçao gostaria de dividi-la em 3 pontos:

1o. uma breve contextualizaçao histórica

2o.  o que a composiçao me diz 

3o. o que eu direi durante e/ou após ouvi-la., 

1o. PONTO: CONTEXTUALIZAÇÃO:

Vladimir Vavilov, foi guitarrista russo, que por volta da década de 70 compõe  Ave Maria.  Década em que a Rússia vivia a guerra fria, era parte da União soviética. O mundo vivia uma grande crise econômica, época da guerra no Vietnã, do Afeganistão. Crise do Petróleo. No Brasil vivíamos a ditadura militar .

Mas também foi a década em que foram lançadas ao espaço duas sondas Voyager, ATIVAS ATÉ HOJE.. A TV colorida chegou ao Brasil. Primeiro email foi enviado. 

Embora criada na década de 70, a composição ficará mundialmente conhecida a partir de 1987, na voz de uma mulher Irina Arkhipova em 1987. Época em que aparece Mikhail Gorbachev, temos as diretas já no Brasil,  firma-se a declaração comum do Papa e do chefe da Igreja Ortodoxa de Constantinopla sobre o diálogo ecumênico.

apenas para citar alguns acontecimentos históricos.

Diante deste contexto vivido por Vladimir e Irina a composição que ouviremos na sequência, AVE MARIA, chega até nós em tom de súplica, de oração, de invocação. 

2. O que esta composição nos diz:

Pedi a um amigo músico (Giovani DAllagrana) para me ajudar na compreensão da composição e ele respondeu: "A súplica, Ave Maria, em uma leitura da semiologia é expressada na voz e melodia  que oscila de um ponto médio para o agudo e retorna ao ponto de origem, como se formasse uma arco que liga a terra ao céu e retorna a terra... assim inicia e assim termina… retornando ao seu ponto de origem. Em alguns momentos da composição temos o momento solo, a voz única, em outros, o coral, encontramos a suplica pessoal e a súplica comunitária. Onde juntos suplicamos Ave Maria". 

Como transformar esta linguagem semiótica, técnica em experiência meditativa? 

Recorri a Maria, mãe de Jesus. Recordamos que quando ouviu a saudação do anjo, ave cheia de graça, ficou intrigada, perplexa e dialoga com o anjo, pois não era um cumprimento costumeiro para sua época. Ave Maria, a mulher, a mãe que suplica da terra ao céu no desejo de fazer novas todas as coisas, recebe o anúncio do Messias esperado por seu povo, inicia novo tempo com Jesus, início e fim.

A composição que ouviremos nos diz que poderemos viver a Páscoa através dos olhos de Maria, a boa mãe. Com esperança suplicando morrer com Cristo, matar as atitudes que Dele nos afastam para renascer em Cristo, um novo ser, transfigurando nosso cotidiano ao resgatar em meio ao ordinário o extraordinário. Como fez Maria no canto do Magnificat. 

Compreendeu seu povo e suplicou por justiça pela fome de paz, de solidariedade e de igualdade e falou ao Senhor: “cumulou de bens os famintos e despediu ricos de mãos vazias”. 

O arranjo que ouviremos nos toca profundamente pelos altos e baixos na curvatura da música elevando-nos da terra ao céu, mas trazendo-nos para terra novamente, convidando-nos a entregar nossas súplicas  ordinárias, em que Maria roga, como no magnificat,  a um mundo mais justo, mais igualitário, onde todos somos irmãos e irmãs. 

3. APÓS OUVI-LA O QUE EU DIREI? FAÇAMOS O EXERCÍCIO

Durante a música, fechemos nossos olhos e escutemos a composição. Mais, auscultemos, deixemos que nosso coração pulse para ser ouvido, assim como Maria suplicou, vamos abrir nossos ouvidos e coração para a escuta atenta e de acolhida sobre o que nos incomoda hoje (o contexto da guerra na Ucrania, no oriente médio, a fome, as migrações....) e nos deixemos ressignificar pela ressurreição. Quem se abre a escuta acolhe, se coloca por inteiro e sai transformado.

Assim auscultemos a composição e deixemo-nos levar, suplicando: Ave Maria habite meu coração na ternura de tua voz, ave Maria, a mulher forte que conheceu de perto a pobreza, o sofrimento, o exílio: TRAGA-NOS ESPERANÇA.

 

sábado, 12 de agosto de 2023

POEMAS DE GIOCONDA BELLI

 

NÃO ME ARREPENDO DE NADA

(Gioconda Belli, tradução base de Silvio Diogo, versão de Jeff Vasques)
Daqui, da mulher que sou,
às vezes me entrego a contemplar
aquelas que eu podia ter sido;
as mulheres primorosas,
modelo de virtudes,
trabalhadoras boas esposas
que minha mãe desejou para mim.
Não sei por quê
passei minha vida inteira me rebelando
contra elas
odeio suas ameaças em meu corpo
a culpa que suas vidas impecáveis
por um estranho feitiço,
me inspiram;
revolto-me contra seus bons ofícios,
os prantos noturnos sob o travesseiro,
às escondidas do marido
o pudor da nudez, por baixo da passada e engomada
roupa íntima.
Estas mulheres, no entanto,
olham-me do interior de seus espelhos,
levantam um dedo acusador
e, às vezes, cedo a seus olhares de reprimenda
e gostaria de ter a aceitação universal,
ser a “boa menina”, a “mulher decente”
a impecável Gioconda,
tirar dez em conduta
com o partido, o estado, as amizades,
minha família, meus filhos e todos os demais seres
que, abundantes, povoam este nosso mundo.
Nesta contradição invisível
entre o que deveria ter sido e o que é
travei numerosas batalhas mortais,
batalhas inúteis delas contra mim
– elas contra mim que sou eu mesma –
Com a “psique dolorida” despenteio-me
transgredindo ancestrais programações
desgarrando-me das mulheres internas
que, desde a infância, torcem o rosto para mim
pois não me encaixo no molde perfeito de seus sonhos,
pois me atrevo a ser esta louca falível, terna e vulnerável
que se apaixona feito puta triste
por causas justas, homens bonitos e palavras brincalhonas
pois, já adulta, atrevi-me a viver a infância proibida,
e fiz amor sobre escrivaninhas em horários comerciais
e rompi laços invioláveis e me atrevi a desfrutar
o corpo são e sinuoso com que os genes
de todos os meus ancestrais me dotaram.
Não culpo ninguém. Melhor, agradeço a eles pelos dons.
Não me arrependo de nada, como disse Edith Piaf.
Porém, nos poços escuros em que me afundo;
nas manhãs em que, ao entreabrir os olhos,
sinto as lágrimas fazerem força
apesar da felicidade
que finalmente conquistei
rompendo estratos e camadas de rocha terciária
e quaternária,
vejo minhas outras mulheres sentadas no vestíbulo
fitando-me com olhos doídos
e me culpe pela felicidade.
Irracionais boas meninas
rodeiam-me e desfilam suas canções infantis contra mim;
contra esta mulher
feita plena esta mulher de peitos em peito
e largos quadris que, por minha mãe e contra ela,
eu gosto de ser.


NOVA TESE FEMINISTA
(Gioconda Belli, tradução de Jeff Vasques)
Como te dizer
homem
que não te necessito?
Não posso cantar a liberação feminina
se não te canto
e te convido a descobrir liberações comigo.
Não me agrada a gente que se engana
dizendo que o amor não é necessário
-“tenha medo, eu tremo”
Há tanto novo que aprender,
formosos homens da caverna a resgatar,
novas maneiras de amar que ainda não inventamos.
Em nome próprio declaro
que gosto de me saber mulher
frente a um homem que se sabe homem,
que sei de ciência certa
que o amor
é melhor que as multi-vitaminas,
que o casal humano
é o princípio inevitável da vida,
que por isso não quero jamais liberar-me do homem;
o amo
com todas suas debilidades
e gosto de compartilhar sua teimosia
todo este amplo mundo
onde ambos somos imprescindíveis.
Não quero que me acusem de mulher tradicional
mas podem me acusar
tantas como quantas vezes queiram
de mulher.

REGRAS DO JOGO PARA OS HOMENS QUE QUEIRAM MULHERES MULHERES
(Gioconda Belli, tradução de Silvio Diogo)
I
O homem que me amar
deverá saber abrir as cortinas da pele,
encontrar a profundidade de meus olhos
e conhecer o que se aninha em mim,
a andorinha transparente da ternura.
II
O homem que me amar
não desejará possuir-me como uma mercadoria,
nem me exibir como troféu de caça,
saberá estar a meu lado
com o mesmo amor
com o qual estarei ao lado seu.
III
O amor do homem que me amar
será forte como as árvores de ceibo,
protetor e seguro como elas,
puro como uma manhã de dezembro.
IV
O homem que me amar
não duvidará de meu sorriso
nem temerá a abundância de meu cabelo,
respeitará a tristeza, o silêncio
e com carícias tocará meu ventre como violão
para que brotem música e alegria
do fundo de meu corpo.
V
O homem que me amar
poderá encontrar em mim
a rede onde descansar
do pesado fardo de suas preocupações,
a amiga com quem compartilhar seus íntimos segredos,
o lago onde flutuar
sem medo de que a âncora do compromisso
o impeça de voar quando queira ser pássaro.
de vir a ser pássaro.
VI
O homem que me amar
fará poesia com sua vida,
construindo cada dia
com o olhar posto no futuro.
VII
Acima de todas as coisas,
o homem que me amar
deverá amar o povo
não como uma palavra abstrata
tirada da manga,
mas como algo real, concreto,
a quem render homenagem com ações
e dar a vida, se necessário.
VIII
O homem que me amar
reconhecerá meu rosto na trincheira
joelhos no chão me amará
enquanto os dois disparam juntos
contra o inimigo.
IX
O amor de meu homem
não conhecerá o temor da entrega,
nem terá medo de se descobrir ante a magia da paixão
em uma praça cheia de multidões.
Poderá gritar – te amo –
ou colocar placas no alto dos edifícios
proclamando seu direito de sentir
o mais lindo e humano dos sentimentos.
X
O amor de meu homem
não fugirá das cozinhas,
nem das fraldas do filho,
será como um vento fresco
levando consigo, entre nuvens de sonho e de passado,
as fraquezas que, durante séculos, nos mantiveram separados
como seres de distintas estaturas.
XI
O amor de meu homem
não desejará rotular ou etiquetar,
me dará ar, espaço,
alimento para crescer e ser melhor,
como uma Revolução
que faz de cada dia
o começo de uma nova vitória.


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Triste, Louca ou Má

Triste, louca ou má

Será qualificada
Ela quem recusar
Seguir receita tal
A receita cultural
Do marido, da família
Cuida, cuida da rotina
Só mesmo, rejeita
Bem conhecida receita
Quem não sem dores
Aceita que tudo deve mudar
Que um homem não te define
Sua casa não te define
Sua carne não te define
Você é seu próprio lar
Um homem não te define
Sua casa não te define
Sua carne não te define (você é seu próprio lar)
Ela desatinou, desatou nós
Vai viver só
Ela desatinou, desatou nós
Vai viver só
Eu não me vejo na palavra
Fêmea, alvo de caça
Conformada vítima
Prefiro queimar o mapa
Traçar de novo a estrada
Ver cores nas cinzas
E a vida reinventar
E um homem não me define
Minha casa não me define
Minha carne não me define
Eu sou meu próprio lar
E o homem não me define
Minha casa não me define
Minha carne não me define
Eu sou meu próprio lar
Ela desatinou, desatou nós
Vai viver só
Ela desatinou, desatou nós
Vai viver só
Ela desatinou, desatou nós (e um homem não me define, minha casa não me define)
Vai viver só (minha carne não me define)
(Eu sou meu próprio lar)
Ela desatinou, desatou nós (e um homem não me define)
Vai viver só (minha carne não me define)

https://www.youtube.com/watch?v=lKmYTHgBNoE
Segundo single de SOLTASBRUXA, primeiro álbum oficial de Francisco, el Hombre. Gravado em La Habana, Cuba, durante a turnê #VaiPraCuba em Julho de 2016, em parceria com DANZA VOLUMINOSA. Letra e ficha técnica abaixo. Facebook: http://www.facebook.com/franciscoelho... Instagram: http://www.instagram.com/franciscoelh... Twitter: http://www.twitter.com/franciscolatwit

TAMBÉM NA VOZ DE LETÍCIA SABATELLA:
https://globoplay.globo.com/v/10319516/

domingo, 4 de julho de 2021

 V - DEIXO-TE COMO HERANÇA A FORÇA PARA LUTAR E VENCER

Toda a vida é lutar contra as forças do mal

Toda a vida é lutar por um dia melhor

Lutar pela vida, felicidade, prosperidade

Lutar pela dignidade, harmonia e sabedoria

Lutar pelo chão de cada dia

Lutar até vencer


Vence o espectro da morte que persegue os teus passos

Afasta a nuvem maligna que te fecha os raios de sol

expulsa os abutres que se aproximam de teu corpo

Enxota os corvos que te sugam os sonhos

Mesmo que seja esse o teu último ato.

(Paulina Chiziane, p. 23)


domingo, 13 de setembro de 2020

A mãe do Brasil é indígena. Maria Bethânia em defesa da " maternidade ...





“Sabe aquela história de que “sua bisavó foi pega no laço ?” Isso quer dizer que talvez seu bisavô tenha sido um sequestrador, então acho que você deveria ter mais orgulho do sangue indígena que corre em suas veias. A mãe do Brasil é indígena.”
Por Mirian Krexu no Facebook, página José Carlos Sigmaringa
A mãe do Brasil é indígena, ainda que o país tenha mais orgulho de seu pai europeu que o trata como um filho bastardo. Sua raiz vem daqui, do povo ancestral que veste uma história, que escreve na pele sua cultura, suas preces e suas lutas. Nunca vou entender o nacionalismo estrangeiro que muitas pessoas tem. Nós somos um país rico, diverso e guerreiro, mas um país que mata o seu povo originário e aqueles que construíram uma nação, que ainda marginaliza povos que já foram escravizados e seguem tentando se recuperar dos danos. O indígena não é aquele que você conhece dos antigos livros de história, porque não foi ele que escreveu o livro então nem sempre a sua versão é contada. Ele não está apenas na aldeia tentando sobreviver, ele está na cidade, na universidade, no mercado de trabalho, na arte, na televisão, porque o Brasil todo é terra indígena. Sabe aquela história de que “sua bisavó foi pega no laço ?” Isso quer dizer que talvez seu bisavô tenha sido um sequestrador, então acho que você deveria ter mais orgulho do sangue indígena que corre em suas veias. A mãe do Brasil é indígena.”
Texto de Mirian Krexu

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Nunca é Tarde | Andreia Serrato - Teóloga [CC]

Segundo o texto de Rebecca S. há um paradoxo da encarnação quando falamos sobre a incontinência. De um lado, a tradição cristã que concebia o corpo como carne fraca, lugar de pecado e do bem-estar moral. No caso, as mulheres mudam de transgressam inocente à imoralidade adulta intencional e aderem à legitimidade da perda de participação social como uma consequência. De outro lado, pesquisas sobre a incontinência urinária afirmam que se fosse um problema com a bexiga, iriam trata-lo de maneira diferente. Pensariam que seria uma falha, mas se você não pode controlar a bexiga, quanto controle você tem sobre o resto de sua vida? (Dawn, [o entrevistado] in: STONE, R.). Assim as mulheres associam a incontinencia à falta de controle físico e social e a voluntariedade.    

Então Suzam Bordo afirma como os corpos são lidos em nossa cultura: a magreza representa um triunfo da vontade sobre o corpo, e o corpo magro está associado a pureza absoluta, hiperintelectualidade e a transcendência da carne. Por outro lado, a gordura está associada a mácula da matéria e da carne, a libertinagem, ao estupor e decadência mental e a uma vontade fraca. 

    Se o corpo incontinente é lido como sendo realmente intencional, ou como na maioria dos casos, instável, é sempre associado a algum tipo de degradação moral ou marginalidade. Cf. STONE, Rebecca Rozelle-. Thes Reading the Incontinent Body (tradução livre). 

PÁSCOA 2024 - PUCPR "Fazei novas todas as coisas". Fui convidada para comentar a composição AVE MARIA de Vladimir Vavilov antes da...